O Brasil tem menos de 10 meses para cumprir o prazo legal para cadastramento de milhões de propriedades rurais exigido pelo novo Código Florestal e este trabalho, junto com a regularização dos passivos ambientais, vai demandar esforços também das grandes empresas do setor, como indústrias e tradings, com repercussões nos preços de commodities, dizem especialistas.
“Não há recursos suficientes para o cumprimento do código florestal… esse dinheiro vai ter que vir de algum lugar. Não acredito que venha do governo“, disse o biólogo Roberto Waack, fundador de uma empresa pioneira no mercado de madeira certificada.
O Código Florestal aprovado em 2012 prevê que todas as propriedades rurais informem às autoridades quais são suas coordenadas geográficas e a ocupação das terras: se estão cobertas por mata nativa, rios, pastagens ou lavouras, por exemplo.
Cada propriedade deverá mandar para um banco de dados do governo o seu Cadastro Ambiental Rural (CAR).
No entanto, o processo tem andado a passos lentos. Até o início de agosto, 285,6 mil cadastros haviam sido recebidos, informou o Ministério do Meio Ambiente, contra um universo de 5,175 milhões de propriedades rurais no país.
O prazo legal para a conclusão dos cadastros termina em maio de 2015, podendo ser prorrogado por mais 12 meses, e grandes empresas têm interesse no mapeamento das propriedades que fornecem as principais commodities agrícolas negociadas.
“Os consumidores, sobretudo os europeus, querem ter certeza que estamos num processo de evolução, e uma medida muito importante é que possamos contribuir para a implementação do CAR“, disse Maximiliano Slivnik, gerente comercial na Cargill, trading norte-americana que movimenta o segundo maior volume de soja no Brasil.
PRÓXIMOS PASSOS
Depois de concluído o cadastro, será a vez do trabalho mais pesado e mais caro: o de recuperar as áreas de vegetação dentro das proporções exigidas pela lei.
Depois de concluído o cadastro, será a vez do trabalho mais pesado e mais caro: o de recuperar as áreas de vegetação dentro das proporções exigidas pela lei.]Produtores também terão que garantir uma borda de vegetação ao redor de rio e lagos, além de manter a vegetação em terrenos muito inclinados. É a chamada área de preservação permanente (APP).
“Isso vai exigir dos produtores e das empresas. As empresas vão ter que dizer: ‘Aceito ou não aceito (os produtos) caso haja um déficit ambiental’“, comentou o diretor-geral do centro de pesquisas Agroicone, André Nassar.
QUEM PAGA A CONTA?
Os especialistas defendem a participação das empresas e dos consumidores, e não apenas dos agricultores, nos investimentos necessários para adequar as propriedades rurais.
Muitos produtores reclamam que os custos de mudas, cercamento de APPs e mão de obra para plantio, sem falar na redução das áreas aproveitadas para a produção, pressionam o caixa das fazendas e reduzem a margem de lucro
“O custo da obra… nós como país e setor temos que buscar uma compensação por esse processo. O mercado tem que responder. Não pode ser unilateral“, disse Carlo Lovatelli, presidente da Abiove, associação que reúne grandes empresas esmagadoras e exportadoras de soja do país, como ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.
“Estamos trabalhando forte para sensibilizar o comprador europeu de que o produtor precisa ser remunerado para atender essas exigências novas também“, disse.
Na visão do diretor de grãos e processamento de soja da Cargill, Paulo Sousa, os custos com a legislação ambiental terão que ser repassados para o preço básico das commodities oferecidas pelo Brasil, e não apenas para produtos de nicho, que tenham um eventual selo de sustentabilidade.
“A gente tem que definir o que é certo e falar ‘mercado, é isso que o Brasil tem para oferecer, e abaixo disso não podemos aceitar‘”, disse o executivo.
A posição do Brasil como grande fornecedor global de alimentos, especialmente de soja, daria condições de repassar parte da conta para o mercado, mesmo para os chineses, grandes compradores de commodities agrícolas brasileiras.
“O Brasil é um dos poucos, se não o único, que poderá atender grandes incrementos na demanda por soja no mundo, pela área que tem e pela competência… Os chineses vão ter que chegar em bons termos com o Brasil quando for necessário“, disse Lovatelli.
Outra fonte de recursos, diz Roberto Waack, especialista no setor florestal, é a extração sustentável da madeira disponível nas reservas dentro de cada fazenda.
“O mercado de restauração é um bom negócio. Vai faltar madeira no mercado. Todas as previsões de demanda de fibra… apontam para isso“, disse.